Em meio a uma importante discussão que está sendo travada dentro da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre mudanças nas regras da geração distribuída (produção de eletricidade para satisfazer o consumo próprio, normalmente feita através de painéis fotovoltaicos) será realizado, em Bento Gonçalves, o Fórum Estadual de Energia Solar e Eficiência Energética e o workshop “Comissionamento de Sistemas Fotovoltaicos”. O evento, que acontecerá entre quarta e sexta-feira, na Fundação Casa das Artes, além de debater a revisão da Resolução Normativa nº 482/2012, que trata das regras para micro e minigeração distribuída, pretende divulgar o segmento fotovoltaico e demonstrar as melhores práticas para os instaladores que estão entrando agora no mercado.
O coordenador do fórum, Tiago Cassol Severo, recorda que a normativa foi realizada há cerca de sete anos e, neste momento, está sendo discutida a modernização das regras. “A atualização que está sendo proposta pode prejudicar o setor, que vem crescendo de uma forma muito boa”, alerta. Quem adota a geração distribuída pode jogar na rede elétrica o excedente do que foi produzido em relação ao seu consumo próprio e, depois, obter créditos com a sua distribuidora para abater da sua conta de luz nos momentos que utiliza a energia da concessionária. Atualmente, 100% da energia que o minigerador coloca na rede pode ser compensada da sua conta.
No entanto, para as distribuidoras, esse modelo não representa uma remuneração adequada da rede de distribuição e, para os minigeradores, é preciso que o sistema atual seja mantido para consolidar o mercado. Em princípio, a Aneel está analisando hipóteses de como manter as regras em vigência ou diminuir o percentual de compensação de energia injetada na rede (os índices sugeridos para possíveis compensações, inicialmente, são de 100%, 72%, 66%, 59%, 51% e 37%). Severo sustenta que as regras atuais deveriam permanecer por mais tempo. O coordenador do fórum comenta que, hoje, a estimativa é que o retorno financeiro do investimento em uma solução fotovoltaica ocorra, em média, dentro de quatro anos a quatro anos e meio.
Se o governo resolver confirmar as mudanças que estão sendo avaliadas, esse tempo para recuperar o gasto com o sistema pode se elevar para seis a sete anos, afastando um pouco o consumidor. “Tem que pensar que a pessoa, quando coloca um sistema de geração de energia solar, está prestando um serviço para o governo, injetando energia na rede e possibilitando que se invista menos em usinas”, defende. Sobre custos de implantação de um complexo fotovoltaico, Severo detalha que, se o consumo de luz de uma propriedade estiver na faixa de 250 kWh a 300 kWh, com até R$ 20 mil é possível colocar uma quantidade de painéis suficiente, que reduzirá a tarifa da distribuidora ao mínimo (o cliente ainda precisa pagar uma tarifa básica para a concessionária pelo uso da rede). Conforme o dirigente, as normas atuais são tanto benéficas para o mercado, como para o governo, então não seria a hora da Aneel modificar as regras do jogo.
Durante o fórum, também serão apresentados casos de empreendimentos que adotaram a geração solar, como o CTG Pousada da Figueira localizado no bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. O patrão do Centro de Tradições Gaúchas, João Carlos Barcelos Guterres, informa que toda a demanda de energia do CTG é atendida por painéis fotovoltaicos. A solução foi adotada há 19 meses e tem sido considerada muito satisfatória por Guterres. São 60 painéis que ocupam 108 metros quadrados do teto do CTG. A decisão por adotar esse projeto deveu-se a razões econômicas e de sustentabilidade. O investimento inicial foi de cerca de R$ 90 mil, o que permitiu “escapar” de uma conta de luz de mais de R$ 3 mil ao mês. Segundo o dirigente, já foram acumulados 12 mil kWh de créditos com a CEEE-D, que podem ser usufruídos no espaço de cinco anos, quando o CTG precisar receber eletricidade da concessionária. Novos usos para geração fotovoltaica são estratégia para ajudar na comercialização de excedentes Além de atender ao consumo de uma residência ou de um edifício, quem investe em energia solar procura outras formas para aproveitar esse tipo de geração.
O consultor de Energias Renováveis da Yes Energia Solar (empresa que auxiliou a instalação dos painéis no CTG Pousada da Figueira), João Pedro Demore, adianta que um próximo passo que está sendo estudado é instalar um carregador de carros elétricos no CTG. Essa seria uma forma de comercializar excedentes de energia, já que a legislação impede a venda para outras residências ou estabelecimentos comerciais.
Sobre as possíveis alterações das regras da geração distribuída por parte da Aneel, Demore considera que se trata de uma discussão prematura. O consultor ressalta que a energia solar ainda representa um pequeno percentual dentro da matriz energética do Brasil, algo em torno de 0,3%. Desse volume de energia, Demore estima que somente cerca de um terço vai para a rede elétrica, o restante é consumido em tempo real, na própria unidade, antes de ir para o chamado fio. “Estamos muito no início de um processo para ficarmos discutindo tarifação”, argumenta.
O consultor considera que quando a energia solar atingir patamares de 10% a 20% de participação na matriz, demandando mais da rede elétrica, seria justo discutir mudanças. A situação, segundo ele, gera no momento muita preocupação no mercado. Porém, Demore considera que a questão pode impactar um pouco o setor, mas não será um impeditivo para o crescimento do segmento. Outro profissional que atua nessa área é o engenheiro da Efall Engenharia Elétrica Sidimar Capitanio.
A empresa possui mais de 130 projetos fotovoltaicos desenvolvidos. Na ocasião do fórum, serão apresentadas duas dessas iniciativas. Uma delas é um complexo de 1,2 MW de potência instalada, com a expectativa de uma geração média da ordem de 140 mil kWh por mês, que está sendo montado na companhia Gratt, no município catarinense de Capinzal. O empreendimento é composto por 3.618 placas fotovoltaicas e deverá ser concluído dentro de dois meses. O investimento na estrutura foi na ordem de R$ 5 milhões. Os módulos fotovoltaicos serão dispostos de forma a compor o nome da empresa (Gratt), que fabrica máquinas e equipamentos para área de saneamento básicos. “Queremos mostrar que a energia solar pode ser convertida em um bom marketing também”, ressalta Capitanio. Outro projeto que será apresentado, de 0,5 MW, será o do supermercado Gheno, localizado em Guaporé.
Sobre a possibilidade de mudanças nas normas da geração distribuída que tragam mais ônus para o segmento, o engenheiro da Efall destaca que a produção solar de eletricidade supre uma necessidade de aumento da oferta de energia. “Se a partir de agora a economia mudar e o País voltar a crescer, de onde as indústrias vão tirar a energia elétrica?”, indaga. No entanto, Capitanio não acredita que eventuais alterações possam implicar a inviabilidade do setor.
Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/economia/2019/05/684669-forum-debate-futuro-da-energia-solar-no-brasil.html)